As restrições ou proibições ao aborto em alguns estados dos Estados Unidos podem ter como consequência não intencional a redução do acesso a métodos contraceptivos e o aumento da mortalidade infantil, alertam dois estudos divulgados esta semana numa revista científica.
Os estudos foram publicados dois anos após a decisão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos de revogar o direito federal ao aborto, dando a cada estado a liberdade de legislar sobre o polêmico tema.
Um primeiro estudo, publicado nesta quarta-feira (26) na revista Jama, mostra que nos estados onde foram adotadas proibições ao aborto houve uma queda significativa no número de pílulas anticoncepcionais e do dia seguinte dispensadas pelas farmácias.
A pílula, tomada por via oral todos os dias, é o método anticoncepcional hormonal mais comum nos Estados Unidos. A pílula do dia seguinte, por sua vez, é um anticoncepcional de emergência tomado rapidamente após a relação sexual, quando outros métodos anticoncepcionais falham (como o rompimento da camisinha, por exemplo) ou não estão disponíveis.
Para o estudo, os pesquisadores analisaram mais de 143 milhões de prescrições médicas entre março de 2021 e outubro de 2023.
Na opinião deles, a queda pode ser explicada pelo fechamento das clínicas de planejamento familiar nesses estados, onde eram realizados abortos, mas também prescritos anticoncepcionais.
No caso específico da pílula do dia seguinte, a confusão sobre sua legalidade nesses estados também pode influenciar na diminuição, afirma o estudo.
“Dado o importante papel dos contraceptivos orais e de emergência na prevenção da gravidez e na prevenção do aborto, são necessários esforços para melhorar o acesso à contracepção, especialmente em estados onde o aborto legal já não é uma opção”, concluíram os investigadores.
“Trauma Familiar”
Outro estudo, publicado segunda-feira na mesma revista, examinou o impacto das restrições ao aborto na mortalidade infantil.
O estudo centrou-se numa lei que entrou em vigor em setembro de 2021 no Texas, que limita o aborto a aproximadamente seis semanas de gravidez, sem exceções para doenças congénitas.
Por meio da análise das certidões de óbito, os pesquisadores descobriram um aumento de 12,9% no número de mortes de bebês menores de 12 meses no Texas entre 2021 e 2022, em comparação com 1,8% em todos os outros estados.
Eles também observaram um aumento de 22,9% nas mortes infantis no Texas relacionadas a doenças congênitas, a principal causa de mortalidade infantil.
“Estes resultados sugerem que políticas restritivas ao aborto podem ter consequências indesejadas importantes em termos de saúde infantil, trauma familiar e custos médicos”, comentou Alison Gemmill, principal autora do estudo, num comunicado.
O Texas proibiu completamente o aborto, exceto nos casos em que a vida da mãe esteja em perigo. No entanto, o medo de serem processados leva alguns médicos do Texas a se recusarem a intervir mesmo em casos de complicações graves.
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