Jornalistas profissionais negros que hoje ocupam posição de destaque na mídia contaram nesta sexta-feira (26) como é enfrentar o racismo na sociedade para ocupar espaços onde são minoria.
Apresentadora Luciana Barreto, que já trabalhou nos canais Futuro, GNT, BandNews e assim por diante TV Bandeirantese atualmente é a âncora do Repórter Brasiljornal de TV Brasilfalou sobre como foi enfrentar a pobreza e o preconceito para se firmar na carreira.
“Vivi diversas situações e diversas barreiras para chegar até aqui. Como chegar a um posto de maquiagem e não ter maquiagem para pele morena. Para conseguir uma vaga de apresentadora, ouvi de uma amiga minha, que também concorria comigo, uma mulher branca, dizer quando passei: ‘Nossa, que legal que agora querem uma apresentadora negra”, relatou.
Luciana compartilhou sua experiência no debate “Mulheres Negras na Mídia: Inovação e Impacto na Comunicação Pública” no Festival Latinidades 2024, que acontece em Brasília. Segundo a jornalista, foi pela televisão que ela percebeu o problema da sua autoestima.
“Na televisão entendi o quanto nossos sonhos são podados e violados. O quanto as crianças dos anos 70, 80 e 90 sofreram profundamente com a autoestima, o quanto foram impedidas de sonhar por causa da televisão brasileira”, acrescentou, lembrando da falta de negros nas emissoras.
Também participou do encontro a jornalista Joyce Ribeiro, que hoje apresenta o Jornal da Tarde no TV Cultura e trabalhou nos principais telejornais do SBT e de Gravação de TV. Joyce também foi a primeira mulher negra a apresentar um debate presidencial, em 2018.
“Esta viagem não foi cheia de facilidades. Muito pelo contrário. Ouvi discursos muito duros e muito difíceis ao longo da minha carreira. Uma vez uma colega me deu uma sugestão, porque era uma grande amiga minha, dizendo que eu precisava pedir para sair [do trabalho] porque percorremos um longo caminho para estar aqui e, para me preservar, tive que pedir para sair, entre muitas outras coisas”, lembrou.
A jornalista colombiana Mabel Lorena Lara também falou sobre sua experiência na televisão no país caribenho, destacando que alisou os cabelos e tentou esconder a própria personalidade na tentativa de ser aceita em um ambiente majoritariamente branco.
“Depois de muito tempo e depois de premiações e reconhecimentos e de estar na televisão, eu falei: ‘Essa mulher que vocês estão premiando como a melhor do noticiário, além disso, tem cabelos cacheados’”, disse.
Lana acrescentou que decidiu relaxar depois que uma garota a questionou em Cartagena, na Colômbia. “Uma garota com cabelo natural perguntou: ‘Se você é a garota negra que aparece no noticiário, por que não se parece conosco?’”, Acrescentou ela.
Mabel Lorena Lara foi premiada, em 2016, como líder inspiradora pelas Nações Unidas e pelo governo sueco. Ela também foi negociadora no processo de paz com as guerrilhas colombianas.
“Essas experiências de racismo e sexismo são amplificadas quando estamos na televisão. As pessoas têm um olhar muito específico sobre nós, nosso corpo, nosso cabelo e nosso bumbum”, acrescentou.
O início
Os três profissionais tinham em comum a insegurança no início da carreira. Os três imaginavam que a mídia não era um espaço para eles. Segundo Luciana Barreto, a comunicação entrou em sua vida porque percebeu que o meio era uma poderosa ferramenta de transformação.
“Éramos muito periféricos e era um bairro sem asfalto nem saneamento básico naquela época, quando resolvi fazer comunicações. Vi que o jornalismo era uma ferramenta poderosa, mas era uma ferramenta usada por poucos”, explicou.
Segundo o apresentador do TV CulturaJoyce Ribeiro, o universo da comunicação lhe era muito atrativo, mas ela achava que era algo distante da sua realidade.
“Não fazia parte do que eu pensei que poderia sonhar. Isso já me deixou com um pouco de medo de seguir essa carreira. Corremos riscos em todas as profissões, mas no mundo da comunicação, que sempre foi tão fechado à nossa presença, eu não era vista”, disse.
Para a colombiana Mabel Lorena Lara, foi preciso construir a autoestima e entender que a mídia é um lugar onde as mulheres negras também merecem estar.
“Em vários momentos pensei que aquele não era um lugar para mim. No meu país, durante décadas, as mulheres afro representaram a servidão, um pouco de exotismo, o uso do corpo feminino como atrativo e pouco se falou sobre isso na mídia”, destacou.
Mulheres negras na mídia
Além do debate sobre a participação da mulher negra na mídia, o Festival Latinidades 2024 criou o Prêmio Jacira da Silva, em homenagem à jornalista que foi a primeira mulher negra a assumir a presidência do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal , entre 1995 e 1998, e fundou a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira/DF).
Na categoria Jornalistas Negros, o gestor do Agência BrasilJuliana Cézar Nunes, recebeu o prêmio ao lado de nomes como Maju Coutinho, do Rede Globoe Basília Rodrigues, da CNN.
Na categoria Mídia Negra, foram premiados Revista Afirmativaa agência de notícias Alma negraÓ Instituto CultneÓ Mundo escuro e a Africanizarveículos de comunicação que priorizem e dêem visibilidade às questões ligadas à população negra brasileira.
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