De forma inusitada, a Câmara dos Deputados aprovou a votação urgente de um Projeto de Lei que equipara o aborto ao crime de homicídio. O projeto altera o Código Penal nos casos de aborto e estabelece a aplicação de pena nas situações em que os fatos tenham completado vinte e duas semanas.
Em abril, o Conselho Federal de Medicina havia editado norma que não permitia o procedimento de assistolia fetal em casos de aborto decorrente de estupro, após vinte e duas semanas. Assistolia fetal é um procedimento médico que consiste na injeção de produtos químicos no feto para evitar que ele seja expelido com sinais vitais, visando conter desgastes e traumas emocionais para todos os envolvidos no procedimento.
Segundo a obstetra Larissa Cassiano, especialista em gravidez de alto risco, a proibição afetaria substancialmente as pessoas mais vulneráveis. Neste caso, as crianças.
No Brasil, o aborto é crime previsto em lei, exceto em três situações:
a) Anencefalia fetal (malformação do cérebro fetal);
b) Gravidez que coloque em risco a vida da grávida;
c) Gravidez resultante de violação.
Nas situações de gravidez de alto risco e anencefalia, é necessário laudo médico para legitimação do caso, sem prejuízo da exigência de exame ultrassonográfico com diagnóstico de anencefalia.
O projeto legislativo nº 1.904/24, de iniciativa da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, coordenado pelo deputado Eli Borges (PL-TO), surpreendeu o país ao acrescentar dois parágrafos ao art. 124; um segundo parágrafo do artigo 128, todo do Código Penal Brasileiro. Isso porque o princípio da laicidade do Estado garante que, conforme dispõe o inciso VIII do art. 5º da Constituição Federal “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, salvo quando invocar para eximir-se de obrigação legal imposta a todos e recusar-se a cumprir disposição alternativa, foram estabelecidas em lista de direitos fundamentais o princípio da laicidade do Estado”.
O Ministro Alexandre de Moraes, atento mais uma vez aos princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito, determinou a suspensão de todos os processos judiciais e processos administrativos e disciplinares movidos contra médicos por suposto descumprimento da Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM). ) que dificulta o aborto de uma gravidez resultante de estupro.
Do ponto de vista das religiões, cada crença geralmente traça sua regra moral para questões como métodos conceituais. Para Francisco Ribeiro Neto, ex-coordenador do Centro de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e editor do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, conclui que para a Igreja Católica a alma está infundida no corpo no momento da concepção. e que por esta razão a Igreja condena o aborto.
Segundo Jerson Leite de Moraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e teólogo, “em geral, o cristianismo, seja católico ou evangélico, trabalha com a ideia de que existe uma ordem do criador que comanda tudo”. O teólogo também acredita que tais formulações na filosofia de São Tomás de Aquino, um dos doutores da Igreja e autor da Summa Theologiae, definiam “pessoa” como uma substância capaz de pensar”.
No caso do aborto, o teólogo Moraes destaca que historicamente os protestantes sempre condenaram a prática indiscriminada, exceto em casos de violência contra a mulher ou estupro. O teólogo considera ainda que isso mudou com a “ascensão de grupos evangélicos fundamentalistas aliados a grupos de extrema-direita”.
No Judaísmo, o Rabino Théo Hotz diz que a vida humana começa no momento do nascimento. Ele alerta: “ainda na fase uterina, o feto é considerado potencial, mas ainda faz parte da mãe, como se fosse um órgão dela. Tanto é verdade que os antigos sábios do Talmud e os legisladores da Lei Judaica entendem que, depois que a cabeça do bebê sai, ele é considerado um ser humano.” Concluindo seu raciocínio, o historiador diz: “a base do entendimento é bíblica e remonta ao livro do Gênesis… Ali “Deus soprou então em suas narinas o fôlego de vida, e ele se tornou um ser vivente. Conclui-se que, rodeado de líquido amniótico, o feto não consegue respirar e sua condição de vida só é efetiva quando entra em contato com o ar.” Porém, o entendimento não é consensual, o misticismo judaico entende que é somente a partir do quarto mês de gravidez que a vida começa.
Para os muçulmanos está presente no Alcorão, ou no seu livro sagrado, que “há um chamado período do esperma, de quarenta dias seguido da sua transformação em coágulo, mais quarenta dias, e depois no pedaço de carne, mais quarenta dias . A antropóloga Francirosy Campos Barbosa, da Universidade de São Paulo, diz que após esse período Deus envia um anjo que tem a ordem de registrar para essa criança o sustento da criança, as ações, quando ela vai morrer, se será uma pessoa abençoada ou não” .
Do ponto de vista do espiritismo kardecista, doutrina reencarnacionista, o fundamento é que “a alma é imortal e temos várias existências, várias vidas”. Para a historiadora Célia da Graça Arribas, também socióloga da Universidade de Juiz de Fora, “embora existam espíritas progressistas que pensam o aborto numa perspectiva social e de saúde pública, o que predomina é uma visão muito forte contra o aborto”. Nesse aspecto há um alinhamento na compreensão de católicos e evangélicos.
Para os povos originários, segundo Giovani José da Silva, professor da Universidade Federal do Amapá, como historiador e antropólogo, as narrativas místicas de que “há quem acredite que a alma entra no corpo no momento do nascimento e quem acredito que o espírito já está presente no momento da fecundação”. Porém, o fato é que a influência religiosa cristã, especialmente as denominações neopentecostais, causou mudanças no entendimento entre essas pessoas.
Na análise do antropólogo e babalorixá Rodney William Eugênio, autor de livros como Bênçãos para os idosos Isso é Antiguidade nos terreiros de Candomblé, não há proibição de interromper uma gravidez ou decidir engravidar. A contundência da afirmação está baseada no entendimento do babalorixá quando diz: “não há fundamento que condene o aborto, muito menos os métodos anticoncepcionais. Na verdade, compreender o aborto dentro de um contexto histórico nos ajuda a incluir a prática como condição diante da situação violenta do processo escravista e da vulnerabilidade que se segue ao pós-abolição”.
“No entendimento do Candomblé, a vida de cada pessoa começa antes mesmo de nascer na terra.” Pontuação.
A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de seu Conselho Federal, com foco no aspecto social da questão, formalizou a constituição de uma comissão composta por mulheres, tendo como relatoras conselheiras federais, para emitir parecer para informar a presidência da Câmara dos Advogados. Deputados e Senado Federal. A comissão sugere ainda que a questão seja submetida ao Supremo Tribunal Federal para apreciação.
Roberto Lyra, considerado o jurista brasileiro mais traduzido e considerado o chefe da escola brasileira no campo da sociologia criminal, condicionou a “sociogênese específica, através do condicionamento do individual pelo social no campo do desenvolvimento humano. Portanto, é no “campo do desenvolvimento humano que encontramos as relações sociais feitas e sendo feitas pelos seres humanos ao longo da história”.
Isto é, sem empirismo.
*Procurador Geral do MPPE. Diretor Consultivo e Fiscal da Associação MPPE. Ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ)
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