Com a alta demanda, o BNDES solicitou, e o governo aprovou, um aumento de R$ 2,5 bilhões no orçamento da nova linha de crédito para inovação, para R$ 8,4 bilhões este ano.
Lançada em setembro do ano passado, a linha BNDES Mais Inovação marcou a volta dos empréstimos com juros subsidiados para grandes empresas, ainda que em menor escala.
Segundo o BNDES, a nova linha já aprovou R$ 5,3 bilhões, em 270 operações, segundo dados atualizados até o final de maio.
Ao final de 2023, foram R$ 3,5 bilhões, em 24 financiamentos. Neste ano, já foram R$ 1,8 bilhão, em 246 operações.
Os pedidos apresentados formalmente ao banco até maio já exigiriam toda a linha orçamentária prevista para este ano, de R$ 5,9 bilhões, disse à Globo José Luis Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES. Isso porque o total de pedidos protocolados mas ainda não aprovados chega a R$ 5,7 bilhões.
Diante da grande demanda, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, pediu um ajuste no orçamento, estimado desde a criação do programa em cerca de R$ 5 bilhões por ano, de 2023 a 2026.
A justificativa é que os R$ 3,5 bilhões aprovados no ano passado ficaram aquém do orçamento anual, por falta de tempo, já que a nova linha foi aprovada e regulamentada no segundo semestre. O orçamento da linha em 2023 foi de R$ 5,5 bilhões.
Reunido nesta quinta-feira, o Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo ministro da Fazenda e Planejamento e pelo presidente do Banco Central (BC), aprovou o remanejamento. Com isso, o orçamento da linha BNDES Mais Inovação para este ano passou de R$ 5,9 bilhões para R$ 8,4 bilhões.
“A medida visa apenas realocar recursos não utilizados no ano de 2023, permitindo que sejam aplicados no ano de 2024 por meio do Programa BNDES Mais Inovação para financiar projetos de inovação e digitalização, não implicando aumento do orçamento previsto para o período a partir de 2023 para 2026”, diz nota divulgada pelo BNDES.
Condições atraem grandes empresas
O avanço da linha marca a retomada do crédito subsidiado do BNDES, com taxas de juros inferiores às taxas de mercado. Em 2018, o governo Michel Temer alterou a taxa referencial do banco de desenvolvimento, com a introdução da TLP, que acompanha as taxas de juros dos títulos públicos negociados no mercado.
Desde então, o BNDES praticamente deixou de oferecer financiamentos com taxas de juros mais vantajosas que os demais bancos.
Condições mais vantajosas voltaram a atrair grandes empresas. Com taxas de juros semelhantes às demais fontes de financiamento nos últimos anos, o banco de desenvolvimento era menos atrativo para essas empresas – com exceção da Embraer e das gigantes de infraestrutura, para as quais os prazos estendidos para financiar investimentos continuaram fazendo a diferença.
Desde o ano passado, a linha já concede empréstimos a gigantes como a fabricante de motores elétricos Weg, a fabricante de papel e celulose Suzano, a montadora alemã Volkswagen e a fabricante de produtos farmacêuticos e de higiene pessoal Hypera Pharma (antiga Hipermarcas), dona de marcas como Engov, Estomazil e Benegripe.
Pequenas empresas podem receber crédito por máquinas
Após os primeiros meses de operação, este ano o BNDES Mais Inovação acelerou a concessão de empréstimos indiretos, repassados pelos bancos comerciais, para empresas de menor porte. Com isso, o número de operações, com valores mais baixos, disparou. Nestes empréstimos, o foco está no financiamento de investimentos em máquinas para digitalização de empresas.
Segundo Cristina Zanella, gerente de Economia e Estatística da Abimaq, entidade que representa o setor de máquinas e equipamentos, a linha ajudou a impulsionar as vendas de máquinas no início do ano.
Por outro lado, como o orçamento já foi consumido por encomendas, a restrição ao crédito está entre os motivos que sustentam a projeção de queda de 8% na receita do setor neste ano.
Para Gordon, do BNDES, a linha é um sucesso e desbloqueou investimentos de empresas, mesmo no caso de gigantes, que já teriam acesso a financiamentos nas melhores condições possíveis de outras fontes:
– Existem muitos projetos bons vindos de empresas maiores. São projetos que não iam acontecer, que iam acontecer daqui a muitos anos e estão sendo antecipados, ou que estão sendo transferidos para o Brasil, por exemplo, no caso da Volkswagen.
Positivo antecipa investimentos
Por causa da nova linha do BNDES, a Positivo Tecnologia, que fabrica equipamentos de informática como notebooks, smartphones e máquinas de cartão, vai acelerar os investimentos, disse Leandro Rosa dos Santos, vice-presidente de Estratégia e Inovação da empresa.
Segundo o executivo, a Positivo vem investindo, em média, R$ 50 milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento. Após contratar um empréstimo de R$ 330 milhões com o BNDES (incluindo R$ 258 milhões da linha de inovação), a empresa aumentará o valor para R$ 110 milhões.
– Como podemos ter acesso a capital em condições mais adequadas para este tipo de investimento, podemos pegar projetos que estavam, dentro de uma estrutura de alocação de capital de risco, previstos para daqui a dois anos, acelerar e fazê-los agora. Trouxemos projetos que íamos fazer em 2026 e 2027 para agora – disse Santos.
A Positivo financiará mais de um projeto com recursos captados pelo BNDES, seguindo uma estratégia de acoplar serviços de tecnologia aos equipamentos que fabrica.
Alguns exemplos, disse Santos, são as próximas versões do Maria, um assistente de inteligência artificial (IA) para a educação, que ajuda os alunos a criar planos de estudos, e o lançamento do desenvolvimento de um novo sistema de registo biométrico.
Linha foi alternativa para oferecer juros menores
A linha BNDES Mais Inovação foi uma das propostas alternativas apresentadas pela equipe de Mercadante, no início da gestão, nos primeiros meses do ano passado, para oferecer crédito mais barato e acelerar a concessão de financiamento pelo banco de desenvolvimento.
A linha dependia da aprovação de uma lei no Congresso, que autorizava o banco a utilizar juros subsidiados sobre parte dos recursos que recebe do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), apenas para projetos de inovação. A parcela foi definida em 1,5% do saldo do FAT – o que dá uma estimativa de pouco mais de R$ 5 bilhões por ano, ou pouco mais de R$ 20 bilhões até 2026.
A linha tem como referência a TR, taxa que corrige a poupança, que é de pouco menos de 2% ao ano. As condições de crédito do BNDES Mais Inovação variam conforme o tipo de projeto.
Nos casos mais vantajosos, os juros finais são de TR mais uma taxa mínima de remuneração para o BNDES de 2,2%, o que poderá resultar em juros finais pouco acima de 4% ao ano. Descontando a inflação, a taxa de juro real está próxima de zero. No caso das operações indiretas, repassadas pelos bancos comerciais às empresas de menor porte, os juros finais giram em torno de 7% ao ano.
Taxas de juros subsidiadas são frequentemente criticadas
O crédito com juros subsidiados é frequentemente criticado pelos economistas que apontam os desequilíbrios que provocam.
No ciclo anterior de expansão do BNDES, de 2009 a 2014, esses desequilíbrios foram citados como um dos elementos da crise fiscal que contribuiu para a recessão de 2014-2016.
Para Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o crédito direcionado – com regulação governamental – em geral, não só do BNDES, pode causar distorções, mas, no caso do BNDES Mais Inovação, “é uma parcela muito pequena de novas operações”.
– O crédito direcionado é algo em torno de 10% do crédito bancário tomado pelas empresas – afirmou Cagnin, destacando que, dada essa pequena participação no fluxo de crédito, o peso para causar distorções é limitado.
– No caso da inovação, como existem externalidades positivas, ou seja, gera ganhos sociais não totalmente captados pelo agente privado, há um bom consenso sobre o papel da ação estatal no seu apoio.
Uma das externalidades positivas é que esse financiamento se destina a investimentos que ampliem a capacidade produtiva e modernizem os processos produtivos, permitindo, no futuro, expansões na oferta que possam aliviar as pressões inflacionárias. Portanto, continuou Cagnin, a política teria menos probabilidade de causar desequilíbrios.
Indústrias mais inovadoras recuperam
Para o economista do Iedi, a linha do BNDES para inovação faz parte de um cenário mais favorável no início do ano, quando o ciclo de redução da taxa básica de juros (Selic, hoje em 10,5% ao ano), agora interrompido, chegou com mais intensidade aos mutuários finais. As taxas de juros mais baixas favoreceram os investimentos e a indústria.
Ao impulsionar a demanda, especialmente por bens de consumo duráveis, como eletrônicos, o crédito ajudou os segmentos mais intensivos em tecnologia da indústria, mostra estudo que está prestes a ser publicado pelo Iedi.
A pesquisa detalha o desempenho da indústria de transformação de acordo com a intensidade tecnológica, seguindo a metodologia da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os segmentos da indústria de tecnologia mais avançada continuaram a apresentar desempenho negativo no primeiro trimestre, mas uma forte redução na taxa de declínio da produção nestas atividades ajudou a impulsionar o aumento de 1,4% no conjunto da indústria transformadora, face ao trimestre anterior. primeiros três meses de 2023.
Para Cagnin, a indústria de transformação ainda enfrenta problemas estruturais, com o chamado “custo Brasil” tirando a competitividade internacional do setor. A solução passa por reformas, como a fiscalidade, e um conjunto de políticas de longo prazo para incentivar a inovação, mas nada disto ajuda sem um bom momento no presente.
– Destravar o crescimento cíclico é importante para criar condições que possibilitem investimentos em incapacidade produtiva e inovação, que são veículos para essas transformações estruturais, que, no nosso caso, é ampliar a participação dessas atividades com maior intensidade tecnológica em nossa estrutura produtiva – afirmou Cagnin.
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