A pouco mais de duas semanas da eleição, o prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB), passou a adotar um discurso mais alinhado ao bolsonarismo, especialmente no ambiente digital e em entrevistas a canais conservadores. O emedebista, que já rejeitou o rótulo bolsonarista e até então se apresentava como um político centrista, agora abraça a cartilha do ex-presidente, posicionando-se contra o aborto, a ideologia de gênero e o passaporte para vacinas.
A nova estratégia, por enquanto limitada ao ambiente digital, agradou aos bolsonaristas, que esperavam há meses por mais acenos do prefeito às agendas ideológicas. No entanto, membros da campanha descartam a possibilidade de Nunes se virar para a direita, afirmando que estes gestos permanecerão confinados ao digital e são dirigidos a um público específico, especialmente evangélicos e conservadores. Segundo um aliado próximo de Nunes, o foco principal da campanha continua sendo as conquistas do governo.
Em entrevista ao youtuber Paulo Figueiredo Filho, investigado pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado, o emedebista defendeu a abertura do impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e relativizou os ataques de 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes, comparando a tentativa de golpe de Estado às manifestações de movimentos sociais de esquerda.
A defesa da abertura do processo de impeachment contra Moraes representa uma mudança de posição do prefeito. Antes da manifestação do dia 7 de setembro na Avenida Paulista, ele havia declarado em audiência na Rádio Eldorado que não apoiava o afastamento do ministro. “Não vou defender o impeachment [de ministros do STF]disse o prefeito na época, acrescentando que a marcha seria em defesa do Estado Democrático de Direito.
A conversa com Figueiredo Filho também trouxe à tona a mudança de postura do prefeito em relação à vacina. “Hoje sou contra a obrigatoriedade da vacinação”, disse Nunes, ao ser questionado sobre a política do governo municipal e estadual durante a pandemia de covid-19.
O emedebista admitiu que a pandemia trouxe enormes desafios, mas disse que, com a experiência adquirida nos últimos cinco anos, concluiu que a vacinação não deveria ser obrigatória. A nova posição do prefeito contraria as recomendações dos infectologistas. O prefeito também recuou em relação ao passaporte da vacina. Em dezembro de 2021, Nunes disse à Rádio Bandeirantes que tinha orgulho de defender o passaporte da vacina e ameaçou demitir funcionários sem a imunização completa. Agora, ele diz que a política foi um erro e que não demitiu ninguém por não se vacinar. Nunes também criticou o lockdown adotado pelo então governador João Doria (na época filiado ao PSDB e hoje sem partido).
Os bolsonaristas já aconselhavam o prefeito a rever sua posição pública sobre o passaporte da vacina, questão que gerava desconforto entre os ativistas e era constantemente explorada nas redes sociais para argumentar que Nunes não representava a direita.
O prefeito também passou a reiterar, tanto em entrevistas quanto em vídeos em suas redes sociais, sua oposição à ideologia de gênero. Ao ser questionado sobre o programa municipal “Saúde para Todes”, voltado à população LGTBQ+, o emedebista disse que sua gestão busca atender a todos, mas negou responsabilidade pela publicidade com linguagem neutra. “Este vídeo [com linguagem neutra] não foi feito na minha gestão, quando descobri que mandei tirar aquela merda…”, disse ele a Figueiredo Filho. Vídeos publicados no Instagram do emedebista também reafirmam essa posição, lembrando a atuação de Nunes em 2015, quando foi vereador e trabalhou para retirar a ideologia de gênero do plano municipal de educação.
Essas mudanças foram reforçadas em sua recente entrevista ao canal “Te Atualizei”, onde Nunes voltou a criticar o passaporte de vacinação, classificando-o como uma “ação errada e equivocada”. Além disso, elogiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e acusou a esquerda de tentar se apropriar da agenda do cuidado com as pessoas.
“Essa agenda de cuidar das pessoas não é de esquerda, é nossa [da direita]. Quando reduzimos impostos, geramos emprego e renda, temos um Estado menor, não temos um bando de cupins chupando a teta do governo. Temos que nos apropriar dessa agenda de cuidar das pessoas. Os conservadores de direita precisam entender isso”, disse o prefeito.
Na mesma entrevista, Nunes se referiu ao programa De Braços Abertos, implementado na gestão Fernando Haddad (PT), como “bolsa crack”, apelido que ganhou força na campanha presidencial de 2018, quando Bolsonaro enfrentou Haddad.
Mudança de tom
A postura adotada pelo prefeito poucas semanas antes da eleição contrasta com a mantida durante toda a pré-campanha e campanha. Em entrevista ao jornal O Globo em maio deste ano, Nunes disse ser um candidato de “centro” e respondeu com ironia sobre uma guinada para a direita. “Com Aldo Rebelo como secretário? Soninha Francine? Carlos Bezerra Júnior? Eunice (Prudente)? Não adianta… Todos nós temos uma história de vida. a essência é a essência”, afirmou na entrevista. Na semana passada, ao Estadão, o prefeito deu uma resposta diferente: se definiu como um político de centro-direita.
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