As instituições salvaram a democracia brasileira das tentativas golpistas do governo de Jair Bolsonaro (PL) ou tiveram mais peso as ações de indivíduos que ocuparam cargos estratégicos e não embarcaram na tentativa golpista? A tentativa de responder a essa questão permeou o debate no lançamento do livro “Por que a democracia brasileira não morreu?”, do cientista político Carlos Pereira, colunista do Estadãoe Marcus André Melo.
A tese central dos autores é que o desenho institucional brasileiro, baseado na divisão de poder entre diferentes pólos do sistema político – que é favorecido por características como multipartidarismo, federalismo, um Judiciário forte e instituições de controle ativas – o torna mais difícil para os presidentes da República implementarem as suas agendas, sejam elas meras visões de políticas públicas, ou uma tentativa autoritária de acabar com a democracia.
Contudo, a linha que define onde termina a ação individual dos atores políticos e onde começam as instituições é tênue. Eliane Cantanhêde, colunista do Estadão que participou da discussão realizada na Livraria da Vila nesta terça-feira, 18, destacou que o jornal noticiou, antes do fim das eleições de 2022, que o Alto Comando do Exército decidiu que não embarcaria em uma possível tentativa de golpe.
“Os militares disseram não. Mas por que o general diz não?”, questionou Marcus Melo. “É porque ele é um democrata convicto? Ele diz não porque há um custo colossal de embarcar nesta aventura. E esse custo é fundamentalmente institucional. Se as instituições reagirem, são elas que cumprem esse papel, não o indivíduo”, diz o autor do livro.
Ainda no tema pessoas versus instituições, Eurípedes Alcântara, diretor de Jornalismo da Estadão, lembrou que o general Castello Branco, primeiro presidente após o golpe de 1964, rejeitou todos os quartéis anteriores a isso. Ele, porém, também dá importância às características estruturais da democracia brasileira. “Por que ele não morreu? [a democracia sob Bolsonaro]? Criaram um DNA golpista, mas quando rodaram na embriologia no Brasil não tinham elementos para montar o que queriam”, declarou.
O economista Samuel Pessôa considera que, embora as instituições funcionem, os choques externos ao sistema podem fragilizá-las. Para ele, o boom das commodities, a descoberta do pré-sal e a crise financeira de 2008 foram fatores que mudaram a crença dominante na política brasileira desde o Plano Real: a inclusão social, mas com governos responsáveis do ponto de vista macroeconômico. “O sistema está oscilando e o neoinstitucionalismo não é suficiente”, diz ele.
Outro ponto fraco, na visão do economista, é a qualidade dos líderes do país. “Quando a liderança não é boa, as coisas dão errado e isso acaba tirando o poder da Presidência”, diz Pessôa.
Carlos Pereira, porém, considera que as instituições brasileiras puniram presidentes que, de diferentes formas, se desviaram das regras da política brasileira, citando Collor, Dilma e Lula.
“No caso de Bolsonaro, ele tentou governar contra o sistema. Recusou-se a formar uma coalizão, saiu do próprio partido, confrontou as instituições, mas quando estourou a pandemia se mostrou vulnerável e diante dos escândalos de corrupção envolvendo seus filhos, ele não teve escolha: procurou o Centrão e jogou o jogo. Ele adotou essas regras, mostrando mais uma vez a virtude do nosso desenho institucional”, finalizou o cientista político.
O livro de Pereira e Melo é uma crítica ao best-seller “Como Morrem as Democracias”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, e também refuta teorias que ganharam força nos últimos anos, como a de que o impeachment de Dilma Rousseff foi uma reação à Operação Lava Jato e que o Supremo Tribunal Federal (STF) excedeu suas competências em decisões recentes.
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