O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran da Silva Gallo, afirmou nesta quarta-feira (19) que a assistolia fetal é uma “crueldade” como método de interrupção da gravidez em casos de estupro. Em entrevista, Gallo sugeriu que a indução do parto após 22 semanas de gestação pode ser utilizada para substituir a assistolia, procedimento adotado pela medicina em casos de aborto previstos em lei, como o estupro.
As declarações foram feitas após representantes do CFM se reunirem com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, responsável pela decisão que suspendeu a resolução do conselho que proibia médicos de realizarem assistolia. Com a liminar, o procedimento técnico foi novamente liberado.
Na opinião do presidente do CFM, a técnica da assistolia é prejudicial ao feto e à mulher. Gallo sugeriu a indução do parto como alternativa ao procedimento de assistolia.
“O procedimento é para induzir o parto. A criança nasce, vai para adoção, qualquer outra coisa, menos essa crueldade. Esse parto vai ser induzido. Uma criança de 22 semanas, na UTI [unidade de terapia intensiva] com alta tecnologia, sobreviverá”, afirmou.
Sobre os casos de mulheres e meninas que descobrem tardiamente a gravidez em decorrência de estupro, o médico disse que a culpa é do sistema público. “É uma falha do sistema público. É preciso que haja atendimento mais precoce a essa mulher vítima de estupro”.
Mais cedo, Moraes deu prazo de 48 horas para cinco hospitais de São Paulo comprovarem o cumprimento da decisão que permitiu a realização de assistolia fetal para interrupção da gravidez.
A decisão afeta os hospitais municipais Vila Nova Cachoeirinha, Dr. Cármino Caricchio, Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha, Tide Setúbal e Professor Mário Degni.
Segundo o ministro, os administradores hospitalares deverão ser responsabilizados pessoalmente em caso de descumprimento da decisão.
Entender
Atualmente, segundo a literatura médica, um feto com 25 semanas de gestação e pesando 500 gramas é considerado viável para sobreviver à vida extrauterina. No período de 23 a 24 semanas pode haver sobrevivência, mas a probabilidade de qualidade de vida é debatida. O feto é considerado inviável até a 22ª semana de gestação.
Para o CFM, dada a possibilidade de vida extrauterina após 22 semanas, a realização de assistolia fetal por profissionais de saúde, nestes casos, não seria legal. Segundo o conselho, o Código de Ética Médica estabelece que os profissionais estão proibidos de realizar ou recomendar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação em vigor no país.
O conselho defende que, ultrapassado o prazo de 22 semanas de gestação, deve ser preservado o direito da gestante vítima de estupro de interromper a gravidez e o direito do nascituro à vida por parto prematuro, “todos os cuidados médicos a tecnologia deve ser garantida disponível para a sobrevivência após o nascimento”.
Outro lado
Entidades ligadas aos direitos das mulheres criticam a resolução e dizem que a norma falha principalmente na proteção de meninas e adolescentes.
“Não existe esse conceito de vida desde a concepção na Constituição brasileira. Portanto, é também uma resolução inconstitucional, que não protege as raparigas e as mulheres em particular. A criminalização é visível, pois considera valores, valoriza a vida de meninas e mulheres, expõe-nas a mais riscos”, afirmou a coordenadora da organização não governamental (ONG) feminista Grupo Curumim, Paula Viana.
A coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Flávia Nascimento, avalia que, com a resolução, vítimas de estupro com mais de 22 semanas de gestação passam a ocupar uma espécie de limbo ao tentarem ter acesso ao aborto legal nos serviços de saúde.
“Temos legislação, desde 1940, que não impõe quaisquer limitações ao direito ao aborto legal. Não há discussão, isso é um direito”, disse ela. “Os serviços de saúde devem se organizar para atender, de forma ilimitada, como consta na legislação, as três hipóteses [vítimas de estupro, quando há risco de vida para a gestante e fetos com anencefalia].”
Para Flávia, o CFM, “exorbitando seu poder regulatório”, cria, com a resolução, uma limitação aos profissionais de saúde que se aplica única e exclusivamente aos casos de aborto legal resultante de crimes de estupro.
Para a coordenadora política do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) Jolúzia Batista, a resolução é um retrocesso. Ela lembra ainda que a maioria dos casos de gravidez tardia decorrentes de estupro e que chegam às unidades de saúde para aborto legal são meninas menores de 18 anos.
*Matéria ampliada às 11h49 do dia 20 de junho para incluir o posicionamento de entidades ligadas aos direitos das mulheres
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